quarta-feira, 27 de abril de 2016

Cristo disse: "Pedi, e dar-se-vos-á"

Na minha vida (enquanto consciente de minhas escolhas) pratiquei uma postura ecumênica - no sentido de entender a unidade entre todas as igrejas cristãs; de aproximação, cooperação na busca fraterna da superação das divisões entre as igrejas cristãs - crente na espiritualidade. Busquei a palavra de Deus e de Jesus independentemente da igreja, seja católica - na qual segui os sacramentos do batismo, matrimônio, frequentando as missas e na visita diária para "conversas" com Jesus na Igreja da  Nossa Senhora da Candelária durante minha juventude - na filosofia de vida da Seicho-No-Ie, na leitura de livros de doutrina espírita. 
Sempre houve no meu interior a tranquilidade de poder ir à missa, ler ou participar de uma preleção ou ir tomar um passe. Em todos os lugares, embora com seguimentos religiosos diferentes, apenas "vejo" o Amor fraterno de cristãos. Mudam-se nomenclaturas, rituais; cada qual com suas "linguagens" e "roupagens" específicas.  Mas o mais importante a palavra de Deus e de Jesus ali está. O Amor na prática comunitária em orações, preces e na caridade.

As minhas preces incluem o desejo de, a cada dia, mais e mais me aprofundar no conhecimento da espiritualidade. E, hoje mais do que tudo, de fazer minha "reforma íntima".

"A reforma íntima é um processo que se realiza lentamente pela aquisição de recursos espirituais, através da prática do amor fraterno, da prece, da meditação, da realização de boas obras.
Em geral, surge lentamente por um despertar de consciência da pessoa, que vai alargando o campo de entendimento do seu universo espiritual.
A exploração do mundo interior teve em Sócrates, um dos seus mais brilhantes adeptos; e a humanidade teve nesse homem um de seus mais insignes pensadores.
Sócrates, filósofo grego que viveu no período de 399 a 470 A.C., era um homem de singular sabedoria, de retidão de caráter e de devotado amor à Justiça e aos seres humanos.
Acreditava firmemente que o homem não seria feliz se não se voltasse, reflexivamente, para si mesmo.
Suas ideias levavam a uma moral individual, baseada na essência espiritual de cada ser humano, alicerçando a conduta de cada um na plena consciência responsável.
A filosofia de Sócrates é sintetizada no seu ensinamento fundamental que atravessa os séculos e se mantém atualizado: “Conhece-te a ti mesmo”.
E na busca do “conhecer-se a si mesmo”, o homem vai aprendendo a reformar-se intimamente.
A reforma íntima promove a cura das doenças que acometem o ser humano, através do aprimoramento espiritual.
A pessoa vai eliminando as suas arestas negativas, as suas falhas no relacionamento com os seus semelhantes e, à medida que pratica o bem, vai melhorando seu estado de saúde.

Quando o ser dedica-se a fazer sua reforma íntima, renovando suas atitudes no propósito de modificar-se interiormente, promove a melhoria do estado de saúde do corpo, da mente e da alma.
E, na sua conotação intrínseca, produz mudanças estruturais no perispírito.
Consiste num processo de aprimoramento dos atributos do espírito, segundo o paradigma universal do “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” (Lucas 10,27).

A passividade não faz parte do Universo, conforme nos ensina Cristo: "Pedi,  e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-à. Porque aquele que pede, recebe. E o que busca, encontra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á" (Matheus 7,7-8).

Crente, também, de que nada acontece "por acaso", mesmo nada percebendo do que sucedeu e sucede em minha vida. Aqui me encontro para a conquista diária da minha "reforma íntima" frequentando aulas de doutrina espírita e no serviço constante da caridade.

Sigo minha jornada de "aprendiz da vida", na prática da humildade a partir do convite de Jesus. "aprendei comigo que sou manso e humilde de coração".

"Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra".



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domingo, 24 de abril de 2016

O cenário da educação dos filhos na atualidade

Como parte da chamada geração "Baby Boomers" (nascida em 1956), educadora e mãe de três filhos, observo preocupada a educação dada pelos pais nos dias de hoje. Com o passar dos anos e décadas, as novas gerações chamadas de "X"; "Y" ; "Z" , revelaram características inerentes aos contextos familiares e sociais marcados pelos avanços tecnológicos e uma nova concepção de "educar", notadamente, às voltas com tantas informações sem que tivesse havido um tempo hábil de assimilá-las a contento para um equilíbrio baseado em valores axiológicos (predominantemente morais). Comumente tida como "crise de valores".
O que se observa é que os pais, que também adotaram e incorporaram comportamentos de extrema dependência dos meios informáticos e que, cada vez, mais cedo colocam um celular nas mãos de bebês para "entretê-los", se mostram inseguros, incapazes de atender desde às mais simples reações infantis, de conviver com seus filhos naturalmente, de deixar fluir aquilo que é espontâneo do "ser criança". Essa insegurança gera conflitos de culpa e, como consequência procedimentos "atulhados" em excessos. Por isso, hoje, ouvimos falar da "síndrome do Parque de Diversões" que torna a criança insatisfeita com tudo. 
A "Síndrome do Brinquedo" é comum vermos os pais no final da festa de aniversário (essas, totalmente impessoais, onde vemos as crianças a correrem de um brinquedo ao outro nos "buffets", acelerados e "perdidos" com tantas "ofertas" de distração, muitas vezes, depois nem lembrando mais de quem foi o aniversariante, vivem com a agenda cheia) levando para casa  "sacos" cheios de brinquedos, muitos dos quais a criança apenas pega nas mãos uma única vez na hora de tirar do saco. A referência afetiva de quem deu o presente, muitas vezes, também, passa ao largo. 
Neste artigo, o estudo revela que, contrariamente, ao expectável, o excesso de informação não leva a benefícios na aprendizagem.
"A concentração é uma habilidade. Como toda habilidade tem que ser treinada para ser bem usada.
As características da vida moderna pouco contribuem para este treino, por isto vemos o aumento de problemas relacionados à falta de atenção.
A mente que consegue se concentrar tem como característica desprezar outras variáveis que podem interferir. Uma pessoa concentrada estuda e não se distrai com o barulho de um jogo. Basicamente, o treino da concentração é este: manter o foco e desprezar o que desvia a pessoa do objetivo.
Durante milhares de anos o ser humano teve um aliado neste processo: a privação. Uma criança que só tinha um carrinho para brincar tinha que, forçosamente, se concentrar em brincar com aquele carrinhoEle era obrigado a fazer algo muito especial: criar vínculo com o brinquedo. Existia um vínculo forte entre a criança e seu brinquedo, que o acompanhava por anos. Aqui aprendemos outra característica da concentração: vínculo. O vínculo é o que dá duração e intensidade a uma relação criança/brinquedo. Esta duração e intensidade é o que permite o aprofundamento do conhecimento e da realização.
Explico: para brincar com o carrinho, a criança tinha que simular uma garagem, por exemplo. Desta forma as brincadeiras incentivavam a criatividade, a resolubilidade, a espontaneidade, a realização de projetos.

A contensão é que criava um mundo mais tranquilo, portanto mais propício ao vínculo e à criatividade. O excesso causa desprezo pelas coisas. E o pior: CAUSA DESPREZO POR AQUILO QUE SENTIMOS pelas coisas", ao que leva, muito rapidamente, ao sentimento de insatisfação. As crianças, hoje, passam uma grande parte de seu tempo insatisfeitas.
Então, o que fazem os pais?! Qual é a atitude que tomam?
Assistimos a uma conduta "culturalmente" instituída por uma parte da sociedade, aqueles que possuem condições financeiras, recorrendo a uma rotina de atividades dita de "quanto mais, melhor". Assim se segue:

"Levamos nossos filhos de carro para aulas de xadrez, robótica, balé, violoncelo ou natação, treinos de beisebol e festinhas de aniversário. Nossos filhos comandam nossas vidas, como se fossem diretores de circo alucinados, mas nós insistimos em dizer que essas atividades os enriquecem cultural, social e intelectualmente, fortalecendo sua competitividade e criatividade.
Quando éramos os últimos escolhidos para o time de queimada, não podíamos chorar. Nos mandavam ser durões e não ser bebês. Mimos e consolos? Não existiam.
Prêmios eram dados à única criança das 256 que de fato vencia a corrida, para aquela que tirava a nota mais alta de todas no exame ou que tivesse vendido o maior número de cookies das Escoteiras em todo o Estado. Todos os outros perdíamos. Éramos perdedores. E isso não nos abalava.
Hoje, medalhas, troféus, fitas e certificados dourados em homenagem ao "melhor reserva" ou "criador do melhor lanche" cobrem as paredes dos quartos de nossos filhos, enchendo-os de louvores pelo simples fato de terem feito um esforço ou comparecido a uma aula, jogo ou evento.
Ultimamente, tenho ouvido pais cheios de "orgulho" dizerem que seus filhos têm "alto domínio da tecnologia", já "nascem" sabendo deslizar o dedinho na tela e que, passam uma grande parte do seu tempo navegando na internet. Esse tempo em excesso incorre, sem que muitos pais se apercebam no total alheamento da realidade - vivem no domínio da realidade virtual - do afastamento afetivo pais/filhos (cada um ligado no seu mundo virtual). Induz, ao "isolamento" de pessoas que coabitam numa mesma casa: mãe/pai; pais/filho; filho/filho. Vivem em "mundos" diferentes. O tempo para as conversas em família, para as confidências, para as trocas interpessoais, pouco restou!
No dizer apropriado neste artigo lemos,"nossos pequeninos “z”s são uma geração que nasceu sob o advento da internet e do boom tecnológico e para eles os gadgets eletrônicos são maravilhas da pós-modernidade que parecem ter estado com eles “dentro da barriga da mãe” – eles parecem ser “chipados” - não estranham nenhuma novidade tecnológica. Rotineiramente "maquinados" de smartphones que mais parecem centrais de computação e entretenimento; Videogames super modernos com realidade virtual a flor da pele e computadores cada vez mais velozes convivendo sem estranhamento a avanços tecnológicos inimagináveis há uma década. A rotina da Geração Z tende ao egocentrismo, a preocupação somente consigo mesmo, na maioria das vezes. Esse caráter de “alienação” pode ser atribuído, sim, a incursão demasiada ao mundo eletrônico, de forma tão arraigada as suas rotinas, mas esse é infelizmente um custo da modernidade. Para eles é impossível imaginar um mundo sem internet, telefones celulares, computadores, iPods, videogames, televisores e vídeos em alta definição. Quanto mais novidade tecnológica melhor.
Se a vida no virtual é fácil e bem desenvolvida, muitas vezes a vida no real é prejudicada pelo não desenvolvimento de habilidades em relacionamentos interpessoais. Vive-se virtualmente tudo, perfis na internet (fakes ou não), curtições no facebook, conceitos e ações permitidos online, que são proibitivos na vida real".
Não admira que, a Geração, seja ela o nome que derem, "Z";"W"; "Alfa" estejam a "tiranizar" os pais.
"As crianças tiranas deixam qualquer um de cabelos em pé. Elas afetam o relacionamento dos pais e têm dificuldade de conviver socialmente. O pediatra e professor da UNESP salienta: “essa reação ocorre, primeiro, porque a criança não tem, ainda, mecanismo interno para lidar com frustrações e irrita-se, chora, grita, sempre que as coisas não saem como e na hora que quer; segundo, por não ter noções de valores, propriedades, espaços e direitos alheios: acha que o mundo todo lhe pertence, está à sua disposição e quer tudo que está a sua volta. Esse comportamento egoísta e tirano que ocorre desde o nascimento, deve ser gradativamente perdido através do processo de educação desenvolvido pelos pais.”
Em muitos casos, os pais têm dificuldade para ajudar seu filho nesse processo de compreensão e amadurecimento emocional. Ele vai crescendo e continua se comportando como se tudo girasse em torno dele. É muito mais fácil para os pais identificar a tirania nos filhos dos outros do que no seu próprio filho. É complicado aceitar que se está sob a mira de uma criança assim. Afinal, “é sangue do meu sangue, aquele que vai dar continuidade à família. Ele precisa saber se defender!”, consolam-se.
Ouve-se, comumente desses pais, um discurso enfático: "ele quer"; "ele gosta"; "ele pediu"... e a total anuência a todos os quereres, sem sequer atentar para o direito do Outro. Há que se satisfazer a qualquer custo todas as vontades. 
Em caráter conclusivo refiro Cury: os anos passam e os pais começam a perceber que algo está errado. Seus filhos querem cada vez mais para sentir cada vez menos, são insatisfeitos, indisciplinados, têm dificuldade de expressar gratidão, sua autoestima (maneira como se sentem) está combalida, sua autoimagem (maneira como se veem) está fragilizada, não aceitam 'não', são impacientes, querem tudo na hora.
É fundamental que os pais não deem presentes e roupas (festas,viagens) em excesso aos filhos nem os coloquem em múltiplas atividades (muitas vezes, saltando de atividade em atividade sem se comprometer com nenhuma delas). É igualmente fundamental que conquistem o território da emoção deles e saibam transferir o capital das suas experiências, ou seja, que lhes deem o que o dinheiro não pode comprar. 
Pais que superprotegem seus filhos e lhes dão tudo o que pedem colocam combustível na SPA (Síndrome Pensamento Acelerado) destes. Lembrem-se que bons pais dão presentes e suportes para a sobrevivência dos seus filhos, mas pais brilhantes vão muito além: dão a sua história, transferem o mais excelente capital, o das experiências. Muitos pais perdem seus filhos porque não conseguem fazer da relação uma grande aventura.

Augusto Cury, Ansiedade como enfrentar o mal do século, 2013, Editora Saraiva
www.brasilpost.com.br
www.psicologiaracional.com.br

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Gratificação da Vida - A consagração do Bem, Belo, Bom e Justo (Platão)

Hoje, fui tomada de uma imensa comoção proporcionada pelo poder e o dom que as palavras exercem sobre nós. Chorei do profundo da minha alma, experimentando uma emoção que nenhuma palavra consegue descrever: uma leveza, alegria e gratidão advinda da sensação de MISSÃO CUMPRIDA! 
A sensação de que tudo que acreditei e fiz em minha vida profissional, valeu a pena!

Abri meu messenger e li estas palavras (de poder mágico) no meu coração.

(muitos corações) Oi
professora, está tudo bem
graças a Deus. Bom os estudos
estão correndo bem, minhas
notas estão muito boas. Sou a
melhor aluna de português do
oitavo ano, e uma com as
melhores notas da classe, me
apaixonei totalmente pela leitura
e devoro livros após livros. Já
não disponho dos serviços de
orientação psicológica,
graças a Deus. Bom tudo graças a
seu esforço de me ajudar a ser
alguém melhor, muito obrigada
por não ter desistido de mim.
Amo muito a senhora, tem um
lugar especial no meu coração!!
Beijos de mts saudades. Muita
luz.
(coração, estrelas, beijos) Com carinho...
G... (corações)

Minha querida, o que vivemos juntas só Deus sabe o quanto foi legítimo e intenso. Amor iluminado.
Nunca deixei de acreditar que juntas venceríamos toda e qualquer dificuldade... e sabemos que foram imensas. Caminhamos sob "ventos e tempestades" mas nunca deixamos de acreditar nesse Amor. 
A cada atitude tua, eu via o "teu brilho interno". O diamante valioso. Por isso, nunca deixei de estar ao teu lado. Era difícil para as outras pessoas verem porque elas viam a tua "superficialidade". Elas poderiam "desistir". Mas eu não, como desistiria de um "diamante". Eu acreditei, sempre, que juntas, cresceríamos. Afinal, para que precisamos de professores, a não ser para nos guiar, para nos mostrar que a vida é muito mais que misérias, tristezas, traumas, sofrimentos, dor, rejeição, futilidades, comiserações... 
Eu creio que vivemos para trazer o Bom, o Belo, o Justo, o Verdadeiro (Paidéia Platônica) com cada aluno que nos é confiado por Deus.

Querida, não imaginas o Bem que hoje me proporcionaste por saber que a "nossa história" continua... que levas contigo tudo de maravilhoso que vi em tua alma. Estarei "em ti" em todos os momentos de tua promissora vida. 
Olha, quero te ver realizando o teu sonho... ser uma desembargadora (lembras?!)
Sabes, minha linda, em nenhum momento duvidei que não pudesses um dia ser aquilo que quisesses. Tens capacidades infinitas. Basta te amares e crer. 
Dizem que "querer é poder", pois te digo que "CRER em ti e, primeiramente, em Deus, é PODER!
Se, entretanto, um dia tiveres escolhido outra profissão, ficarei muito feliz. A tua realização como pessoa, profissional e cidadã são o meu maior "tesouro".

Deus te oriente, proteja e ilumine!
Muito obrigada por me deixares te amar!

Tua professora de/para sempre
Marisa



quinta-feira, 21 de abril de 2016

Ser estranhos a nós mesmos

No ano de 1989 chegadinha de pouco tempo a terras lusas, ouvi um pastor brasileiro de uma igreja que havia na sobreloja do edifício que eu vivia, temporariamente, (o nome da igreja a minha memória deve ter arquivado num cantinho bem "remoto" pois não me recordo) mas a frase me ficou bem presente por estar, na altura, a sentir exatamente o que o dito pastor sentia - dizia ele, que só ao viver fora do seu país, percebia "na pele" o significado da palavra estrangeiro, como aquele que é estranho a tudo e a todos à sua volta. Essa colocação me calou fundo porque eu me sentia exatamente assim. Todavia, exercendo a minha liberdade de escolha. Estava ciente do que tinha escolhido e os objetivos eram superiores a toda e qualquer espécie de "estranheza". Tudo era superado com desenvoltura e frescor da idade em que se acha que "tudo vale a pena quando a alma não é pequena" (Fernando Pessoa). A "minha alma" se sentia infinita. Repleta de amor, coragem, determinação, aquiescência, motivação, disponibilidade, humildade, gratidão e espírito combativo para enfrentar as dificuldades e obstáculos como um "bom combate" a caminho da vitória diária das pequenas conquistas.

A ida fora proposta com um tempo de validade para o retorno ao Brasil. Não havia prazos definidos, apenas a certeza de retorno. Várias fases se sucederam. Alguma coisa por ocasião dos "tempos de filhos saindo porta fora" (adolescência) fui dando conta das minhas insatisfações, da minha "estranheza" de mim mesma. E a partir daí surgiu um desassossego. Passei muito tempo absorvida pelos afazeres da vida, pouco tempo me restou para o cultivo de uma vida própria (interior plena) passada para a prática: meus quereres próprios.

Quando falo de vida interior, reporto-me ao direito de experimentar as realidades que nos favoreçam a transcendência, o natural movimento que nos retira do tempo para a ele nos devolver revigorados. Falo da possibilidade de, por meio dessa transcendência, acessar cada vez mais o coração de nossa verdade pessoal, permitindo-nos a posse de nós mesmos, levando-nos ao autoconhecimento que nos favoreça, livrando-nos da possibilidade de termos sequestrada a nossa subjetividade.
Assumimos um estilo de vida que nos estrangula o tempo, retira-nos da necessidade de encarar nossas questões: vontades, prioridades, gostos, desejos, sonhos... Com isso, ficamos estranhos ao que sentimos, e o pior, ao que fazemos com o que sentimos.
Todo ser humano, ainda que esteja integrado ao grande mundo, sempre possui um contexto particular feito de significados e significantes. O horizonte de sentido é o território onde não nos sentimos estrangeiros. É o estreito do universo onde descobrimos o sentido mais profundo do que somos. Sentido é tudo aquilo que favorece coerência, liga, orienta e estrutura. É a partir desse horizonte de sentido que pensamos, agimos, amamos, desejamos, vivemos. Somos e estamos estruturados a partir de realidades que significam, isto é, realidades que nos revelam e que nos motivam a desbravar outros horizontes. 
Se ficamos distantes dos vínculos que nos recordam quem somos, a identidade pode ser danificada, assim como uma construção pode sofrer com a falta de manutenção. O amor amado, o horizonte de sentido são os grandes responsáveis pela manutenção de nossa coragem de ser quem somos.

"Vir a ser

Eu procuro por mim.
Eu procuro por tudo o que é meu
e que em mim se esconde.
Eu procuro por um saber
que ainda não sei,
mas que de alguma forma já sabe de mim.
Eu sou assim.
Processo constante de vir a ser.
O que sou e ainda serei
são verbos que se conjugam
sob áurea de um mistério fascinante.
Eu me recebo de Deus e
a Ele me devolvo."


Pe. Fábio de Melo, Quem me roubou de mim?, 2013, Editora Planeta do Brasil

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Valores básicos: Virtudes de sempre

Sempre estive extremamente ciente da importância dos valores, cabendo referenciá-los em cada aula como objetivo prioritário a ser desenvolvido durante todo o transcorrer de cada dia letivo. Iniciava com a "Mensagem do Dia" e permeava os conteúdos e as atividades através do fio condutor da interação afetiva. A sequencialidade e a envolvência didático-pedagógica vivenciada pela clareza, honestidade, veracidade, coerência, constância e a constatação de "sentidos" na paridade discurso/prática em todos os momentos da convivência entre pares e coletivamente sedimentavam cada um dos valores como normas íntimas de conduta.
Os valores estavam incorporados no meu programa educativo. Apresentando uma configuração tal como o urdume - conjunto de fios por entre os quais se passa a trama para formar a tela de onde "nasce" o tecido - assim, eram vivenciados os valores. 
Valores como: temperança, generosidade, obediência, gratidão, liberdade, verdade, afabilidade, liberalidade, equidade, coragem, paciência, perseverança, justiça, sinceridade, responsabilidade, solidariedade, ordem e educação para a fé.

"As pedagogias humanistas, e nomeadamente a desenvolvida por Carl Rogers para a educação escolar, coloca o "aprendiz" no centro do processo de aprendizagem, entregando nas suas mãos as mais importantes decisões nesse domínio. Mais do que isso, é a pessoa como um todo que importa atender e cuidar, o significado que para ela revestem os conhecimentos adquiridos, o envolvimento do seu interesse empenhado e dinâmico nas atividades através das quais essa aquisição se processa. Importa que aprenda a pensar, mas também a sentir e a relacionar-se com os outros com verdade e empatia".

"Numa comunidade educativa em que o relacionamento interpessoal é forte, cada elemento tem a oportunidade de ensaiar formas conjuntas de solidariedade, encontra o apoio afetivo indispensável ao seu bem estar psicológico e a força para empreender, em conjunto, o que dificilmente seria possível realizar isoladamente".

A pedagogia das experiências positivas defende que "a escola pode ser um lugar de reconciliação entre o afetivo e o cognitivo, entre o amor e o conhecimento" (Pourtois&Desmet). Esta pedagogia procura fazer sentir às crianças o prazer pelas atividades de aprendizagem, aproximando-as dos interesses e preocupações manifestados, para que sintam o seu sentido, considerem a sua utilidade. Preocupa-se em abrir a escola ao mundo, promovendo a descoberta do meio envolvente através de saídas para o exterior. Desta forma, diversifica as atividades, tornando a vida escolar mais interessante e motivadora. Reconhece cada aluno como ser individual, procurando responder às suas necessidades específicas.
Propõe-se encontrar um tipo de educação que procure responder às necessidades essenciais da busca de valores, insistindo na imprescindibilidade de "tomar em conta a dimensão ética do ato educativo".

Na vivência da pedagogia de vinculações - estimular e apoiar no íntimo da criança uma teia de vínculos - como pedagogia de liberdade estamos a realçar a sua preocupação em suscitar a liberdade interior na decisão e a autonomia no atuar, aliadas à responsabilidade pessoal e social. Objetivos que se atingem através do exercício da própria liberdade. Aprende-se a ser livre, exercendo responsavelmente a liberdade, exercendo-a no respeito e na corresponsabilização por esse outro, pelo grupo e pela sociedade.


Ramiro Marques, Valores Éticos e Cidadania na Escola, 2003,  Editorial Presença
Maria Isabel Valente Pires, Os Valores na Família e na Escola, 2007, Celta Editora

terça-feira, 19 de abril de 2016

A dicotomia existente entre o mundo infantil e o mundo escolar

Durante todo tempo que exerci a docência, constatei uma dualidade existente no interior da escola: uma proveniente do"universo infantil" e outra institucional imposta pelo sistema educativo.
Na realidade a escola tendo conhecimento do mundo infantil, deveria adequar toda a orgânica inerente aos procedimentos pedagógicos, metodológicos e conteudísticos em consonância com o ritmo de aprendizagem da criança.
É apenas uma questão de observância do que é o mundo infantil. Basta ter conhecimento do desenvolvimento infantil, suas reações/interações com o meio social.

A criança vive em um mundo em que tudo é contato pessoal. Dificilmente penetrará no campo da sua experiência qualquer coisa que não interesse diretamente seu bem-estar ou da sua família e amigos. O seu mundo é um mundo de pessoas e de interesse pessoais, não um sistema de fatos ou leis. Tudo é afeição e simpatia.
Além disso, a vida da criança é integral e unitária: é toda única. Se ela passa, a cada momento de um objeto para o outro, como de um lugar para outro, o fará sem nenhuma consciência de quebra ou transição. Não há isolamento consciente, nem mesmo distinção consciente. A unidade de interesses pessoais e sociais que dirigem a sua vida mantêm coesas todas as coisas que a ocupam. Para ela, aquilo que prende seu espírito constitui, no momento, todo o universo, que é assim, fluido e fugidio, desfazendo e refazendo-se com espantosa rapidez.
Esse, afinal, é que é o mundo infantil. Tem a unidade e a integridade da própria vida da criança.

Voltemo-nos agora para o que é o "mundo escolar".
A criança vai para a escola. E que sucede? Diversos estudos dividem e fracionam o seu mundo. A Geografia seleciona, abstrai e analisa uma série de fatos, de um ponto de vista particular. A Matemática é outra divisão; outro departamento a Gramática e assim por diante.
Não só isso. A escola classifica ainda cada uma das matérias. Os fatos são retirados de seu lugar original e reorganizados em vista de algum princípio geral. Ora, a experiência infantil nada tem de ver com tais classificações; as coisas não chegam ao seu espírito sob esse aspecto. Somente os laços vitais de afeição, e os de sua própria atividade prendem e unem a variedade de suas experiências sociais.
A mentalidade adulta está familiarizada com a noção de ordem lógica dos fatos e não reconhece o espantoso trabalho de separação, de abstração e manipulação implícitos no seguimento dos programas de ensino aos quais os alunos são submetidos. 
Como exigir de uma criança aquilo que ela não apresenta condições de lidar. Quantas vezes, o próprio professor não percebe o porquê daquele conteúdo programático "surgir" antes de outro, ou  mais grave, ainda, antecipação de conceitos mais elaborados sem que os mais básicos tivessem sido apresentados. 
Quantas vezes, muitas delas por "obra dos modismos pedagógicos" me deparava com discrepâncias relativas aos conteúdos que se fossem respeitados "ipsis litteris" não haveria condições de aprendizagem.
Isso, sem falar dos conteúdos soltos, dissociados de "sentido", compartimentados, feitos no "pronto a vestir" (Formosinho) ... o "vestuário" nem sequer passava pelo "ajustamento" para se adequar "a medida de cada aluno"... Caso, por "sorte" lhe "coubesse" aquele "vestuário" (conteúdo) seria aprendido, se não, passaria a ser um "problema" do aluno.
Ao longo de sua vida profissional, o professor depara-se, constantemente, com muitos desafios que se apresentam à sua prática educativa. Desafios esses, que também aportaram de vez na educação infantil, que deixou de ser vista, de um lado, como “luxo” (para os ricos) e de outro como “assistencialismo” (para os pobres).
A educação de crianças passa, então, a ter uma maior importância no cenário da educação brasileira e isso repercute no trabalho dos professores. Afinal, o que sabemos sobre cultura infantil? O que conhecemos acerca do “modus vivendi” das crianças? O que sabemos sobre as crianças da escola pública? O que aprendem? Como aprendem? O que pensam? O que sentem?
É nesse intrincado contexto que surgem as práticas pedagógicas, e como se sabe, nenhuma prática é neutra, ao contrário, ela está sempre referenciada em alguns princípios e se propõe a certos objetivos mesmo que não sejam explícitos .
Esses princípios estão “por aí”, no saber-fazer de cada professor, seja ele um romântico, um cognitivista, um crítico social.
Sendo assim, compreende-se que devemos dirigir a vida das crianças para o seu máximo crescimento e máximo aprender. Se o nosso interesse fundamental é pela vida, aprender significa adquirir novo modo de agir, novo "comportamento" (behavior) de nosso organismo. 
Aprender para a vida significa que a pessoa não somente poderá agir, mas agirá do novo modo aprendido, assim que a ocasião que exija este saber apareça. O que aprendemos tem, assim, uma força propulsora, pela qual, além de podermos fazer a coisa pelo novo modo aprendido, temos de fazê-la por esse novo modo. A aprendizagem se fixa intrinsecamente no organismo, dele passando a fazer parte como nova forma de comportamento. Só deste modo teremos realmente aprendido para a vida.

John Dewey, 2010, editora Massangana
www.vaipedagogia.wordpress.com

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Muitas doenças, uma receita

Nestes últimos tempos tenho vindo a constatar o quanto nos preocupamos com as coisas do mundo, tanto aquelas referentes aos relacionamentos quanto às injustiças que permeiam nossa história de vida. Caímos, constantemente, nas ciladas armadas pela nossa mente em "ilusão" e pelo que o Outro nos faz. Isso ocorre, porque autorizamos que nos firam o coração. Cada atitude tomada (ou não, por omissão) pelo Outro (principalmente daqueles mais próximos) pode nos conduzir com o passar do tempo ao desconsolo, desilusão, tristezas, mágoas, ressentimentos, inconformidade, desespero... assomando doenças na alma que, tão logo, se somatizam no corpo.
Cada dia se torna, assim, um pesar (penar) de "esperas". Espera que o Outro sinta a sua dor e lhe estenda a mão para lhe dizer:
- "Não sofra mais, estou aqui para te amar".
Os dias, semanas, meses e os anos passam... 
...e o que você tanto ansiava que acontecesse... Não acontece! 
Muitas vezes, muito pelo contrário, o que ocorre é um maior distanciamento, os sentimentos se alteram por parte do Outro.
O que fazer?! 

Vejamos o que Osho nos diz:

"Você tentou não se zangar, decidiu-o muitas vezes, mas mesmo assim acontece. Tentou não estar triste, mas está sempre a cair na armadilha. Tentou todo o tipo de coisas para se modificar, mas nada parece resultar. Você permanece o mesmo.
E aqui estou eu a dizer que há uma chave simples - a consciência. Você não consegue acreditar nisso. Como pode a consciência, somente a consciência, ajudar quando nada mais serviu de grande auxílio? As chaves são sempre muito pequenas; as chaves não são objetos grandes. Uma chave pequena pode abrir uma grande fechadura.
Quando as pessoas perguntaram ao Buda "O que devemos fazer para não nos zangarmos, ou o que devemos fazer para não ficarmos tristes, ou o que devemos fazer para não ficarmos tão obcecados pela bebida ou pela comida?", a sua resposta era sempre a mesma: estejam cientes. Levem a consciência às vossas vidas.
O seu discípulo Ananda, ouvindo repetidamente cada tipo de pessoa - problemas diferentes, mas sempre a mesma receita do médico -, ficou confuso. Perguntou: "O que é que se está a passar? Eles trazem diferentes tipos de doenças, mas a sua receita é sempre a mesma!"
E o Buda respondeu: "As doenças deles são diferentes - tal como as pessoas podem ter sonhos diferentes."
Se duas mil pessoas adormecerem, elas terão dois mil sonhos diferentes. Mas se você vier ter comigo e pedir para se livrar desse sonho, o medicamento será o mesmo: desperte! Não vai ser diferente; a receita vai ser a mesma. Pode chamar-lhe consciência, pode chamar-lhe testemunho, pode chamar-lhe recordação, pode chamar-lhe ainda meditação - são nomes diferentes para o mesmo medicamento".

Jesus nos apresenta a "libertação" para tudo nesta vida. 

Por isso, vos digo: não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo, mais do que a vestimenta?
Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?
(...)
buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio fardo" (Matheus 6, 25-34).

"O convite de Jesus incide no asserenar dos nossos corações, pois quando buscamos ansiosamente as questões puramente materiais, esquecendo transitoriamente que somos seres espirituais, desconectamos de nossa paz interior e então ficamos inquietos, preocupados com o dia de amanhã, esquecidos de que só podemos viver no tempo presente".

Portanto, por mais que queiramos nada irá mudar. O Outro não vai "sentir" a nossa dor. Se pudesse sentir o mesmo que sentimos pelo Outro, nada daquilo que sentimos estaria acontecendo.
Assim, é "fundamental que tenhamos sempre em mente que todas as coisas nos serão acrescentadas quando buscamos o Reino de Deus dentro de nós. Somente através do amor podemos criar em torno de nós um mundo melhor, começando pelo nosso próprio mundo interior".

Fácil?! Nada! Deveras difícil para nós "mortais" em processo de aprendizagem nesta escola da vida. Somente a fé em Deus nos fará viver um dia de cada vez - "basta ao dia o seu próprio fardo"- no exercício diário do amor-próprio e ao próximo no labor da espiritualidade.

Osho, Consciência a chave para viver em equilíbrio, 2002, Pergaminho
Alírio C. Filho, Saúde Existencial o despertar para a essência da vida, 2010, EBM editora

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Educação formal - Mundos à parte: um feito de demagogia política e outro de realidade nas escolas

Professora "A"
"Lembra da minha aluna que não queria ser flor no teatro o ano passado... então, agora o irmão dela é meu aluno, está matriculado desde o início do ano e só veio ontem...
Nossa, deu um show... mas vou te contar amiga, ele precisa de mim, hoje ele veio já um pouco melhor...
Pense em uma criança suja... então, iniciei pelo carinho e amor depois fui aprofundando...
tomou banho, comeu, etc, com a ajuda de um monitor.
Ele vive na rua com a família, dói o coração em todos os sentidos"...

 Professora "B"
"Tanto sofrimento neste mundo!
Aí sim, é o verdadeiro servir ao próximo. Ninguém imagina o que vivemos, só mesmo nós e Deus.
Crianças que precisam de tudo... nada têm...
Isso a Secretária da Educação não vê!...
Vivem para os aplausos e valorizam os encontros, reuniões em discursos vazios de realidade... 

Professora "A"
"Com certeza amiga, estou cansada de jogarem papéis para a gente fazer... e deixam de lado o que fazemos no concreto, de como cativar uma criança... eu ontem corri, caí no barranco, etc, tudo pra conquistar esta criança... Valeu meu tombo mais do que aplausos que as autoridades ganham".

Esta conversa se passou, hoje, pelo "Whatsapp" entre duas professoras. Um episódio entre milhares e milhares de outros semelhantes ocorrem, diariamente, nas escolas. Isso há décadas, desde que iniciei minha função docente, nos anos 80. De lá para cá, a situação tem vindo a se agravar no que concerne a carga de burocracia e exigências sem validade didático-pedagógica efetiva dentro de sala de aula.
O que os professores precisam é de condições de trabalho para lidar com as inúmeras exigências de caráter emergencial humano, social e psicológico que permeia o seu cotidiano. Cada dia é repleto de "aventuras" singulares sem precedentes. Cada caso é único e a conduta do professor tem que ser pronta, ágil, corajosa, determinada e transbordante de amor incondicional. A multiplicidade de incumbências, responsabilidades e tarefas, concomitantes, requer do professor capacidades e competências que extrapolam a razoabilidade. Excede a condição do humano. 

Diariamente, os professores, principalmente de escolas públicas se multiplicam em tarefas distintas, muitas delas em substituição de outros agentes responsáveis na formação da criança. No meio social carente onde a família se destituiu de sua função provedora da integridade moral, psíquico-emocional e física da criança, inevitavelmente esse papel é repassado para a escola e, diretamente, ao professor.
Qual profissional se vê ao mesmo tempo a ter que lidar com uma clientela numerosa - mais de trinta alunos por turma - tendo que assumir diversos papéis concomitantemente, cada qual em consonância com a necessidade de cada aluno, a cada momento. Isto, ainda acrescido da necessidade de excelência atitudinal para que não haja incongruências procedimentais de faltas ou excessos. 
Tudo isso se passa no microcosmo vital (Abreu) ou Arena Social (Delamont) que é a sala de aula, "onde se jogam processos decisivos da aprendizagem e da educação dos alunos".

Numa era de informação tão avançada "a escola moderna deve ser, acima de tudo, preparação para a vida num mundo em constante mudança, onde o que conta mais é a capacidade de entender o que ocorre ao redor de si e de crescer continuamente, e não a aquisição de uma habilidade técnica qualquer que se torna obsoleta de uma hora para a outra. Em sociedades integradas e globalizadas como as de hoje, não faz sentido transmitir, pela via da escola, um conjunto compartimentalizado e enlatado de conhecimentos que se chocam, ou não se relacionam, com a realidade que entra diariamente pelos olhos e ouvidos das crianças, na televisão, no rádio, nas conversas em casa, nos jornais. E no entanto, esta realidade quotidiana é fugidia, não guarda sentido de história e tradição, e se alimenta da visibilidade de eventos ocasionais e espetaculares, sem o entendimento de suas características mais permanentes ou profundas. O desafio da educação formal é, sobretudo, o de transmitir estes conteúdos mais permanentes, o conhecimento histórico e a localização espacial e política que dá sentido e continuidade ao fluir do dia-a-dia em uma sociedade de massas. O primeiro passo nesta tarefa, naturalmente, é introduzir o estudante nos primeiros fundamentos das duas culturas em que o conhecimento humano tem se dividido: a literária - — ler, escrever — e a matemática - —contar. O leque que se abre, depois, é imenso, e não pode ser resolvido com receitas prévias, currículos mínimos ou livros didáticos. O que o aluno deve receber na escola são as informações, os conhecimentos e as habilidades que fazem parte da tradição cultural de seu meio, e que os professores, como parte viva de sua sociedade, devem naturalmente portar.
Se os professores não portarem estes conhecimentos e esta cultura viva, tudo o que fizerem com seus alunos estará perdido. É possível que o próprio conceito de professor, como aquela pessoa formada pelas licenciaturas universitárias, cursos de pedagogia e escolas normais, já esteja se tornando tão obsoleto quanto o da professorinha normalista que ainda povoa muitas de nossas fantasias pedagógicas. A artificialidade dos cursos de pedagogia que são hoje requeridos pelos cursos de licenciatura tanto quanto a falência dos antigos cursos normais são evidências claras disto. E provável que, no futuro, a formação pedagógica de nível superior tenda a se concentrar cada vez mais na formação do professor ou professora de jardim-de-infância e das primeiras letras, que introduzem as crianças ao mundo do estudo e da educação, deixando as disciplinas especializadas para outros tipos de profissionais. É uma discussão urgente, que mal começou a ser feita entre nós. De qualquer forma, não resta dúvida que devolver aos mestres o sentido de missão, a vontade de ensinar, a capacidade de inovar, de criar e de buscar seus caminhos, e o reconhecimento devido pelo seu papel, eis, em uma frase, a grande agenda da modernidade para a educação básica, que nos cabe instaurar ".

Estaremos a falar de uma escola "para todos" no ensino público em sintonia com a pós-modernidade, onde quer queiramos ou não, nossos alunos tomam conhecimento dos recursos oferecidos pelas novas tecnologias e a escola continua "ainda" a ter o "antigo" quadro negro (em geral em péssimo estado de conservação) giz e apagador, em salas de aula onde um número elevado de alunos se encontram confinados em carteiras desconfortáveis num ambiente insuportavelmente quente.

Assim, "anda" (aliás, está parada) a educação de nossas crianças... salvo, aqueles que têm pais com condições financeiras para beneficiarem de uma escola dita de "qualidade" (será mesmo?!) Essa é outra conversa que fica para outra hora...

A escola pública necessita de efetiva mudança, não de "fachada" com discursos de pedagogos e acadêmicos da "voga" mas de formação de qualidade para a formação de professores, pagos com salários dignos e justos, com condições de trabalho em equipe desde o ME até a sala de aula.

Bem hajam,
professores-heróis (no anonimato)


www.scielo.br - Educação básica no Brasil: a agenda da modernidade

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Doenças existenciais advêm de uma vida sem "sentido"

As doenças existenciais surgem quando vivemos uma vida sem "sentido". O sentido que damos à nossa vida advêm das nossas crenças. Nossos comportamentos refletem nossos valores. Cada palavra, gesto ou ação, edificam "tijolo a tijolo" unidos pela "argamassa" da nossa fé, sob os alicerces do Amor, um "lar" de prodigalidade (profusão, generosidade, liberalidade) extrema e incondicional.
Assim vivemos até um dia... 
... que vemos tudo ruir ao nosso redor! 
À guisa de algum entendimento encontramos a parábola do filho pródigo.

E disse: Um certo homem tinha dois filhos.
E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a
parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu
por eles a fazenda.
E, poucos dias depois, o filho mais novo,
ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua
e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo
dissolutamente.
E, havendo ele gastado tudo, houve naquela
terra uma grande fome, e começou a padecer
necessidades.
E foi e chegou-se a um dos cidadãos daquela
terra, o qual o mandou para os seus campos a 
apascentar porcos.
E desejava encher o seu estômago com as bolotas
que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada.
E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de
meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço
de fome!
Levantar-me-ei e irei ter com meu pai e dir-lhe-ei:
Pai, pequei contra o céu e perante ti.
Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-
me como um dos teus trabalhadores.
E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando
ainda estava longe, viu-o seu pai e se moveu de
íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao
pescoço e o beijou.
E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e 
perante ti e já não sou digno de ser chamado teu
filho.

(...)

O pai vendo o outro filho indignado disse-lhe:

Filho, tu sempre estás comigo e
todas as minhas coisas são tuas.
Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos,
este teu irmão estava morto e reviveu;
tinha se perdido e achou-se (Lucas 15, 11-32).

A maioria das pessoas interpreta essa parábola como se Deus fosse nos receber de braços abertos anulando todos os nossos erros, simplesmente por termos nos arrependido de tê-los cometido.
O objetivo da "parábola dos dois filhos" é chamar a atenção para diferentes tipos de caráter do indivíduo. As características presentes nesses dois filhos existem na humanidade inteira.
O que é a fazenda? A fazenda representa todos os bens que Deus nos oferece para evoluirmos, a começar por nosso corpo. Tudo o que existe no Universo pertence a Deus. Até nossos corpos pertencem a Deus, uma vez que não fomos nós quem os criamos. Quando renascemos no mundo o fazemos através de um pai e de uma mãe, que vão doar duas células que se unirão, depois se reproduzirão e formarão o nosso corpo, a partir de leis biológicas criadas por Deus.

Nesse processo contínuo de aprendizado, objetivo maior da vida, ir para "terras longínquas" significa desperdiçar todas as oportunidades que a Vida nos oferece. Todas as vezes que nos aventuramos em "terras longínquas", afastamo-nos de Deus e dos bens divinos que nossos pais puseram à nossa disposição.
Percebemos que o filho mais novo usou o seu livre-arbítrio para escolher, preterindo assim seu próprio pai (segundo a cultura da época, um filho pedir a herança era como se considerasse seu pai "morto" em vida). É como se a pessoa, ao invés de seguir pelo rumo correto, a estrada certa, pegasse um atalho. O atalho que aponta para "terras longínquas", aparentemente, é mais convidativo. É a "porta larga que conduz ao espaçoso caminho da perdição".
"Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz à perdição" (Matheus 7, 13-14).
O filho mais novo pensa que na "Casa do Pai" está muito monótono, mas nas "terras longínquas" vai ter prazer. Vai em busca da sua "felicidade". Aqui na "Casa do Pai" não acontece muita coisa, tudo é fácil, lá é que é bom. Pensando assim a pessoa envereda por um atalho, só que esse atalho sempre termina em um abismo.
Todo abuso de hoje vai gerar uma falta amanhã, em qualquer nível que seja esse abuso. Portanto, todas as vezes que nos afastarmos da Essência Divina que somos e da comunhão com Deus, desprezando nossos pais "indo para terras longínquas", entraremos em uma carência muito intensa que ninguém pode saciar a não ser nós mesmos, reconhecendo o mal cometido e voltando para a "Casa do Pai".
Poderíamos denominar essa atitude do filho mais novo de "doença existencial", causada pela pior doença que um ser humano pode cultivar que é dar vazão ao egoísmo e ao orgulho, geradores do egocentrismo.
Quando o filho saiu da "Casa do Pai", nem perguntou para o "Pai" se ele iria sentir a sua falta. Ele simplesmente pensou em gozar. Achou que nas "terras longínquas" haveria toda a sorte de gozos que não existia na "Casa do Pai". Pensou, então, em ir para longe, para "ser feliz" não importando o que pudesse acontecer com seu Pai. Esse é um movimento profundamente egoístico e egocêntrico.
Essa parte da parábola simboliza o movimento daqueles filhos que vão à busca dos gozos materiais egoisticamente, achando orgulhosamente, que são privilegiados pela vida. O egoísmo e o orgulho são as duas chagas que comandam esse processo. Não se importam em ferir os direitos dos outros para gozar. Desde que estejam satisfeitas, não importa se os demais estão em carência.
Podemos viver assim, utilizando a nossa vida de forma egoística, apenas para gozar, passando por cima dos direitos dos outros? Podemos, porém não nos convêm, pois mais cedo ou mais tarde vamos entrar em carência. Deus não nos pune quando usamos o livre-arbítrio para gozar. Porém, Ele criou leis, das quais não podemos fugir. A Lei Maior é a do amor. Quando nos afastamos do amor, egoisticamente, indo para "terras longínquas", a fim de gozar o que apregoamos "para ser feliz", o desamor que produzimos nos convida a nos reeducar pela dor. A dor auxilia a cada um a "cair em si". A evolução acontece pelo amor e para o amor. Somente transmutando o egoísmo, o orgulho e o egocentrismo é que vamos viver uma vida repleta de "sentido".

Alírio de Cerqueira Filho, Saúde Existencial o despertar para a essência da vida, 2010, EBM editora

domingo, 10 de abril de 2016

Alguém me encontrou por aí?

"Alguém me levou de mim
 Alguém que eu não sei dizer,
 alguém me levou daqui.
 Alguém, esse nome estranho.
 Alguém que eu só vi chegar,
 alguém que eu não vi partir
 Alguém, que se alguém encontrar,
 recomende que me devolva a mim".

A vida humana é sempre uma experiência mundana. Vivemos no mundo. Mundo é tudo aquilo que está em ordem, é tudo o que deixou a condição de caos. Interessante esse conceito. Também nós estamos constantemente ordenando a realidade em que estamos situados. Cada vez que realizamos um gesto que organiza, que coloca na ordem e que harmoniza, de alguma forma estamos recriando o mundo, isto é, estamos desfazendo o caos.
Mas o mundo é também um lugar de movimentos contrários. Ao mesmo tempo em que há o movimento que encaminha a realidade para a ordem, há também o movimento que retira a vida da ordem e restabelece o caos. É o mundo em sua negação. Interessante, mas, dentre os inúmeros significados da palavra mundo, há um que a coloca como adjetivo que diz respeito àquilo que está asseado, limpo, polido e puro.
Pois bem, a palavra imundo indica a negação do mundo, uma vez que na língua portuguesa ela significa que está sujo, impuro.
Portanto, o imundo pertence à categoria de tudo o que está fora da ordem, desarmonizado, caótico. Realidades imundas precisam ser reordenadas para que voltem à forma original. É assim que consertamos a vida; é assim que atualizamos o gesto criador de Deus no espaço em que estamos: desfazendo o caos.
Toda vez que esbarramos nos cativeiros do mundo, de alguma forma, encontramos a negação da vida humana. Cativeiro é o local imundo, da desordem e da desumanização. Cada vez que um cativeiro é estabelecido, em sua materialidade ou não, alguém está perdendo a capacidade de recriar o mundo por meio da própria vida.
O gesto criador de Deus tem sempre continuidade na vida humana. Cada vez que eu me realizo verdadeiramente como pessoa, vivendo e aperfeiçoando as capacidades que me foram entregues, tais como minha liberdade, capacidade de amar, de alguma forma o Criador continua criando o mundo a partir de mim.
É por isso que podemos dizer que o ser humano é dotado de capacidade recriadora. A inserção da vida humana no espaço criado teve o intuito de que nos tornássemos sujeitos da criação. Ao sujeito cabe a função de realizar a ação do verbo. Neste mundo de tantos verbos, os sujeitos movimentam e transformam o mundo.

"Só há dois caminhos.
Ou o relacionamento nos fortalece a
subjetividade,
encaminhando-nos a uma natural partilha
do que somos,
ou ele nos enclausura nos cativeiros 
do afeto possessivo,
retirando-nos o direito de dispormos
de nós mesmos".


Padre Fábio de Melo, Quem me roubou de mim?, 2013, Editora Planeta

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Quando a prática reforça a teoria e vice-versa

Minha prática docente, de mais de trinta anos, em diversos estabelecimentos de ensino em dois países - Brasil e Portugal - passando por todos os graus de escolaridade em funções docentes e pedagógico-administrativa postulei e vivenciei a necessidade da interação afetiva estabelecida desde o primeiro momento com cada aluno e, consequentemente com a sua família de origem. Mesmo que essa mesma família (de alguns anos para cá, cada vez em maior número) apresentasse configurações parentais atípicas das mais diversas.
À partir desse movimento assertivo e sinergético entre as partes no relacionamento professor/aluno cabe ao professor se dar a conhecer pela sua historicidade aberta, correlacionada adequadamente em cada conteúdo vivido e sentido como verdadeiro, franco, "recheado" de humanidade e "condimentado de encantamento" - próprios das histórias de aventura, encantamento, ludicidade atadas ao fio da proximidade com o mundo infantil. Sempre atenta a outra parte da relação - o aluno com sua história única. Saber ouvir, respeitar, valorizar e conviver. Abrir portas ao aluno para conhecer o mundo do professor, a sua história, suas crenças, seus sonhos e, concomitantemente o professor ter acesso permitido ao mundo de cada aluno, seus "arquivos" vivênciais desde o nascimento (sua história começa a ser escrita desde a vida intrauterina).  

Uns passam a vida profissional na elaboração de teorias que surgiram das suas perguntas de partida, dúvidas e questionamentos relativos a um tema de estudo e aí permanecem, às voltas com os estudos estritamente acadêmicos. Eu vivi na confluência desses dois rios que se autoalimentavam constantemente - o estudo e a prática correlata advindas de crenças e princípios norteadores de uma pedagogia humanista (Rogers): dos afetos, da vinculação, interativa, da confiança, de movimento, inclusiva, de liberdade, do ideal, de valores e atitudes, diferenciada, das experiências positivas.

Andei em contra-mão à política do sistema educativo que define a carga conteudística como se o aluno, peça inerte e receptiva (visão que o sistema tem do aluno) arregimentados dentro de uma sala de aula em cadeiras e carteiras tendo à sua frente um quadro negro, sufocados com o pó do giz e aporrinhados por aulas expositivas "relâmpago"- desenham-se configurações momentâneas surgidas do "nada" e como do "nada" vieram em "nada" se tornam depois do imenso barulho que produziram ao "passar". A mesmice reinante entedia, desmotiva para a aquisição prazerosa do conhecimento, leva o aluno a "descrer" de suas capacidades e, ainda, o mais grave induz o aluno a estudar por "obrigação". 

Dewey afirmava que as crianças não chegavam à escola como lousa limpa na qual os professores poderiam escrever as lições sobre a civilização. Quando a criança chega à classe, "já é intensamente ativa e a incumbência da educação consiste em assumir a atividade e orientá-la". Quando a criança inicia sua escolaridade, leva em si quatro "impulsos inatos - o de comunicar, o de construir, o de indagar e o de expressar-se de forma mais precisa" - que constituem "os recursos naturais, o capital para investir, de cujo exercício depende o crescimento ativo da criança". A criança também leva consigo interesses e atividades de seu lar e do entorno em que vive, cabendo ao educador a tarefa de usar a "matéria-prima", orientando as atividades para "resultados positivos".

Outros tantos filósofos, educadores e estudiosos da educação pensaram (pensam) a educação como opção educativa. "É um ato de fé em valores e, por isso desperta o desejo de transformar" os alunos. "É papel do docente orientar o aluno, através de uma caminhada progressiva, para a conquista de uma noção difícil; com este fim, ele elimina os pormenores, faz brilhar o essencial, guia a análise, provoca comparações. Favorece, de certa maneira, um arranque e uma progressão pessoal e o aluno pode, no fim da sua caminhada, fazer um juízo sobre ela e sobre o sentido da ação do docente"(Postic).

...voltaremos a nos encontrar para "falarmos" sobre a nobre missão de ser educador!


John Dewey, 2010, Editora Massangana
Marcel Postic, A Relação Pedagógica, 2007, Padrões Culturais Editora

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Tudo fica escrito no "Livro da Vida"

Elucidações de Clarêncio para o espírito de André Luiz

Pulsava-me precípite o coração, fazendo-me lembrar o aprendiz bisonho diante de examinadores rigorosos. Vendo aquela mulher em lágrimas e ponderando a energia serena do ministro do Auxílio, tremia dentro de mim mesmo, arrependido de haver provocado aquela audiência. Não seria melhor calar, aprendendo a esperar deliberações superiores? Não seria presunção descabida pedir atribuições de médico naquela casa, onde permanecia como enfermo? A sinceridade de Clarêncio, para com a irmã que me antecedera, despertara-me raciocínios novos. Quis desistir, renunciar ao desejo da véspera e voltar ao aposento, mas era impossível. O ministro do Auxílio, como se adivinhasse meus propósitos mais íntimos, exclamou em tom firme:
- Pronto a ouvi-lo.
Ia solicitar instintivamente qualquer serviço médico em Nosso Lar, embora a indecisão que me dominava; entretanto, a consciência me advertia: Por que referir-se a serviço especializado? Não seria repetir os erros humanos, dentro dos quais a vaidade não tolera outro gênero de atividade senão o correspondente aos preconceitos dos títulos nobiliárquicos os acadêmicos? Esta ideia equilibrava-me a tempo, bastante confundido, falei:
- Tomei a liberdade de vir até aqui rogar seus bons ofícios para que me reintegre no trabalho. qualquer trabalho útil me interessa, desde que me afaste da inação.
Clarêncio fitou-me longamente, como a identificar-me as intenções mais íntimas.
- Já sei. Verbalmente pede qualquer gênero de tarefa, mas, no fundo, sente falta dos seus clientes, do seu gabinete, da paisagem de serviço com que o Senhor honrou sua personalidade na Terra.
Até aí, as palavras dele eram jatos de conforto e esperança, que eu recebia no coração com gestos afirmativos.
Depois de uma pausa mais longa, porém, o ministro prosseguiu:
- Convém notar, todavia, que às vezes o Pai nos honra com a sua confiança e nós desvirtuamos os verdadeiros títulos de serviço. Você foi médico na Terra, cercado de todas as facilidades, no capítulo dos estudos. Nunca soube o preço de um livro, porque seus pais, generosos, lhe custeavam todas as despesas. Logo depois de graduado, começou a receber proventos compensadores, não teve sequer as dificuldades do médico pobre, compelido a mobilizar relações afetivas para fazer clínica. Prosperou tão rapidamente que transformou facilidades conquistadas em carreira para a morte prematura do corpo. Enquanto moço e sadio, cometeu numerosos abusos, dentro do quadro de trabalho a que Jesus o conduziu.
Ante aquele olhar firme e bondoso ao mesmo tempo, estranha perturbação apossara-se de mim.
Respeitosamente, ponderei:
- Reconheço a procedência das observações, mas, se possível, estimaria obter meios de resgatar meus débitos, consagrando-me sinceramente aos enfermos deste parque hospitalar.
- Impulso muito nobre - disse Clarêncio - contudo, é preciso convir que toda tarefa na Terra, no campo das profissões, é convite do Pai para que o homem penetre os templos divinos do trabalho. O título, para nós, é simplesmente uma ficha, mas, no mundo, costuma representar uma porta aberta a todos os disparates. Com essa ficha, o homem está habilitado a aprender nobremente e a servir ao Senhor, no quadro de seus divinos serviços no planeta, meu irmão recebeu uma ficha de médico. Penetrou o templo da Medicina, mas sua ação, lá dentro, não se verificou em normas que me autorizem a endossar seus desejos atuais. Como transformá-lo, de um momento para outro, em médico de Espíritos enfermos, quando fez questão de circunscrever observações exclusivamente à esfera do corpo físico? O médico não pode estacionar em diagnósticos e terminologias. Há que penetrar a alma, sondar-lhe as profundezas. Muitos profissionais da medicina, no planeta, são prisioneiros das salas acadêmicas, porque a vaidade lhes roubou a chave do cárcere.
Fiquei atônito. Não conhecia tais noções de responsabilidade profissional.
- Conforme deduz - continuou ele - não se preparou convenientemente para os nossos serviços aqui.
- Generoso benfeitor compreendo a lição e curvo-me à evidência e, contendo as lágrimas, pedi humilde:
- Submeto-me a qualquer trabalho nesta colônia de reabilitação e paz.
Com um profundo olhar de simpatia, respondeu:
- Meu amigo, não possuo apenas verdades amargas, não pode ainda ser médico em Nosso Lar, mas poderá assumir o cargo de aprendiz, oportunamente. Porém, tem recebido intercessões chegadas a este ministério, a seu favor.
- Minha mãe? - perguntei, inebriado de alegria.
- Sim, sua mãe e outros amigos, no coração dos quais você plantou a semente da simpatia. Logo após sua vinda, pedi ao Ministério do Esclarecimento providenciasse a obtenção de suas notas, que examinei atentamente. Muita improvidência, numerosos abusos e muita irreflexão, mas, nos quinze anos de sua clínica, também proporcionou receituários gratuito a mais de seis mil necessitados. Na maioria das vezes, praticou esses atos meritórios absolutamente por troça, mas, presentemente, pode verificar que, mesmo por troça, o verdadeiro bem espalha bênçãos em nossos caminhos. Desses beneficiados, 15 não o esqueceram e têm enviado, até aqui, veementes apelos a seu favor. Devo esclarecer, no entanto, que mesmo o bem que proporcionou aos indiferentes surge aqui a seu favor.
Concluindo, a sorrir, acentuou:
- Aprenderá lições novas e, depois de experiências úteis, cooperará conosco, preparando-se para o futuro infinito.
Sentia-me radiante. Pela primeira vez, chorei de alegria na colônia. Oh! quem poderá entender, na Terra, semelhante júbilo? Por vezes, é preciso se cale o coração no grandiloquente silêncio divino.


Chico Xavier, Nosso Lar, 2015, FEB







terça-feira, 5 de abril de 2016

Nossas crianças sabem sonhar?

Um dia uma criança chegou diante de um pensador e perguntou-lhe : "Que tamanho tem o universo?" Acariciando a cabeça da criança, ele olhou para o infinito e respondeu: "O universo tem o tamanho do seu mundo".
Perturbada, ela novamente indagou: "Que tamanho tem o meu mundo?" O pensador respondeu: "Tem o tamanho dos seus sonhos."


Tenho vindo a perceber com o passar dos anos, o quanto e de que forma a infância das nossas crianças tem vindo a sofrer modificações significativas. Pais que deixaram de valorizar o simples, o natural, o encantatório (poderes de magia) inerente ao mundo infantil. O poder de sonhar tem sido substituído pelo "poder" de ter. Os pais, avós e a escola (andando um tanto a reboque das expectativas dos pais) procuram "dar", o quanto mais e mais... Seguindo o princípio orientador da plena satisfação dos desejos dos filhos, do que "eles querem"... 
Hoje, é comum ouvir-se: " meu filho quer"... "ele não quis"... esse "querer" obedecido pelos pais como uma "ordem" passou a ser descrito como um procedimento correto.
O acesso de informação através das TIC por parte dos pais e, consequentemente, tão cedo facultado aos filhos, rapidamente tomou lugar cativo no cotidiano das famílias. O tempo ocupado pelos recursos informáticos acessíveis através de aparelhos informáticos (normalmente hoje de última geração) reduzem drasticamente o tempo familiar de convívio saudável e formativo de valores pessoais, éticos, morais e sociais. 
Tornou-se uma prática comum ver mãe, pai e filho e, inclusive em momentos da "outrora conversa familiar" incluindo uma visita à casa dos avós, tios e demais parentela, observar-se cada um sentado com um celular, tablet ou computador obcecado no "seu" mundo. Nesses momentos nada ouvem. Pouco participam em comum.

Onde há lugar para o sonho infantil? Para a magia do universo infantil? No écran assistindo ao DVD? No dedinho que deslisa pela tela à procura do "programa feito"? No excesso de estímulos visuais? Normalmente, prontos. Onde, na maior parte das vezes, se observa o apelo à futilidade.

Minha grande preocupação ao observar a forma de viver o presente de nossas crianças tanto como educadora e, hoje, também como avó me faz indagar qual será o futuro das nossas crianças. Que tipo de adultos se tornarão?

Transcrevi alguns pareceres de especialistas, igualmente preocupados com os "excessos" vividos nos relacionamentos familiares. Sempre sob a ótica de atentar para a grau de saúde psicoemocional dos pais e, consequentemente, das crianças. Procurar refletir antes que, irremediavelmente, seja tarde demais. 

"As crianças de hoje estão pulando as fases que devem ser vividas por elas em seu processo de formação. A infância é, sem dúvida, a etapa mais importante na vida de um ser humano, pois é nessa fase da vida que criamos nossos valores e formamos elementos essenciais em nossa personalidade como o caráter. 
Não se vive mais a infância hoje em dia e até o desenvolvimento corporal dos pequenos fica comprometido, pois eles estão perdendo parte de sua coordenação motora e tornando-se mais sedentários. Além de tudo, perde-se o afeto e os sentimentos que estão sendo tirados de nossa sociedade com o advento da tecnologia. 
Na entrevista, percebemos que o problema mais complicado e assíduo enfrentado pelos orientadores é o conflito existente entre a escola, a educação dada pelos pais e a tecnologia. Segundo a pedagoga, atualmente as crianças estão mais questionadoras, muito sujeitas a influências da televisão e do computador e sofrem de uma insatisfação crônica." 
"Desde criança, queremos mais e mais e na hora. Não esperamos o momento certo, o que gera ansiedade.
O "Parque de Diversões"  (expressão à qual se designa os "excessos") pode ultrapassar a infância e trazer problemas mais tarde.  As crianças que têm tudo e na hora que querem estão mais suscetíveis a se tornarem eternas insatisfeitas. Para que isso não ocorra, tem de haver o exemplo dentro da família. Dependendo da idade, a criança aprende muito mais com exemplos do que com palavras. Juntamente ao exemplo, é necessário impor limites. Qual criança não gostaria de ter todos os brinquedos que seus amiguinhos têm? Ou todos os que aparecem na mídia?"
"Hoje vemos que a sensação de vazio e insatisfação, característica de pessoas adultas, faz parte do universo infantil. De forma quase instantânea, as crianças substituem seus objetos de desejo. Buscam sempre um novo brinquedo, pois experimentam a sensação de prazer de maneira rápida e extremamente curta. Os adultos quase sempre atendem ao pedido da criança, pois parece que temem frustrá-la, como se esta fosse tão frágil que não pudesse dar conta do sentimento de frustração. 
Agindo assim, estamos contribuindo para a formação de pessoas insatisfeitas e infelizes e penso que é exatamente o contrário que almejamos. Com atitudes assertivas devemos contribuir para a cultura do Ser ao invés do Ter. 

Considero que uma das formas de incentivarmos o Ser infantil é propiciar o desenvolvimento da espiritualidade na criança. Note que não defendo nenhuma religião em especial, mas a prática da religiosidade e espiritualidade. Crianças precisam aprender a partilhar, fazer caridade, ser generosas e respeitosas com as pessoas, ou seja, colocar a serviço do próximo as suas virtudes. 

Acredito que só assim estaremos humanizando mais os nossos pequenos e contribuindo na formação de uma pessoa. 

Cabe aos adultos, responsáveis pela formação da criança, buscar lugares e proporcionar momentos, onde esta possa praticar a generosidade e a solidariedade. Talvez diminuir os passeios ao shopping, onde a principal atração e diversão é consumir e passar a levá-los em lugares onde possam olhar para as diferenças e enxergar as necessidades de outras pessoas. Ensinar as crianças a praticar o Amor!" 



Augusto Cury, Nunca desista de seus sonhos, 2004, Sextante
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